terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Pablo Neruda - Metade












Metade

Que a força do medo que tenho,
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que tristeza.

Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, e nem repetidas com fervor;
apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos...

Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço...

E que essa tensão que me coroe por dentro seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste,
e que o convívio comigo mesmo,
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto, um doce sorriso, que me lembro ter dado na infância

Porque metade de mim é a lembrança
do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.

Porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba

E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para faze-la florescer

Porque metade de mim é platéia,
e a outra metade é canção

E que a minha loucura seja perdoada,

Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...também.
....
Pablo Neruda

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